Faixas, paredes, acessórios e outros bichos (crítica)

09/03/2010 16:03

Pois é Yoga está em voga! E só fui dar conta disso quando magicamente as pessoas pararam de me perguntar o que é, para fazer outra pergunta ainda mais específica, qual o tipo de Yoga que eu faço, saindo definitivamente do hermético grupo hippie para entrar no fashion. Junto com a moda sempre acompanham os aventureiros que querem aproveitar o momento mágico e empresas que descobrem um novo filão para angariar uns trocados extras criando todo o tipo de suplementos. Pasmem existe até tênis para a prática de Yoga, quando é notório que Yoga se faz descalço.

A arte de tornar o descomplicado em complicado vem cirurgicamente alterando a face dessa prática milenar. Quando você vai a escola se matricular, a atendente lhe diz: se o senhor quer fazer "neo-Yoga" precisa antes comprar a sua roupa “especial” para praticar, para não fazer no chão duro compre também essa esteira importada, esse CD com musicas relaxantes, esse perfuminho, incenso, medalha, faixa, livro, DVD... ufa! E quando você está prestes a ir embora ela ainda consegue pegar você e diz: Agora o senhor precisa da bolsinha Yogi para colocar as suas coisas. E se você ligar agora para o nosso número, ganhará totalmente grátis essa m-a-r-a-v-i-l-h-o-s-a japamalá confeccionada com cristais energéticos. Ligue "djá". E assim você vai para casa sorridente com o seu kit Yoga debaixo do braço achando que já é um yogi.

Pessoalmente eu não gosto muito de complementos para a prática de Yoga, apesar de já ter experimentado algumas destas "bengalas" raramente as utilizo em minhas classes. Pode ser que eu esteja ficando velho, afinal são mais de duas décadas dando aulas, mas prefiro do jeito antigo, aquele que o praticante só precisava do seu próprio corpo e força de vontade.

 

Hoje em dia existem grifes de Yoga por todos os lados, e que muitas vezes subvertem a proposta da filosofia, induzindo ao consumismo para aproveitar a nova onda vendendo todo o tipo de tranqueiras, que vão desde banquinhos a acessórios de borracha a preços exorbitantes só por que é da moda, enquanto a prática é algo que deveria, ao menos teoricamente, incentivar o desapego.

Quero mais uma vez lembrar que eu não sou contra nenhum desses recursos somente quanto ao uso abusivo de apoios. Quando o professor faz uma adaptação para que um aluno com limitações físicas possa fazer determinado exercício é algo louvável, mas fazer isso para que pessoas saudáveis possam se exibir, é um desvio da proposta.

A princípio quando comecei a escrever esse artigo pensei no título: "Qual era mesmo o objetivo de se fazer Yoga?" Queria questionar a necessidade de se contorcer que as pessoas têm. Hoje vincularam que um excelente professor é aquele que consegue colocar o pé atrás da cabeça. Quanto mais rápido uma escola promete isso mais gente vai lá praticar. Pelo que eu saiba a pressa não é uma das qualidades que os yogis necessitam conquistar, realizar gradualmente a posição fornece uma visão única do mundo e deve ser "saboreado" lentamente.

A moda agora é fazer aquilo que ninguém mais consegue, não importa a que custo, que pílula precisem tomar ou que cirurgia necessitem fazer, desde que consigam colocar o pé na cabeça ou aquela abertura pélvica fenomenal, tornando o Yoga numa prática exótica para poucos jovens sarados de corpos exuberantes.

Seguindo essa espantosa linha de tropeços que vem se alastrando atualmente, freqüentemente venho me deparando numa das coisas que me assusta um bocado, presenciar o aluno fazendo a invertida sobre a cabeça com o apoio da parede, isso é algo que realmente me arrepia todo quando vejo. Aliás, esse foi o verdadeiro motivo pelo qual comecei a escrever esse artigo.

 

Para fazer essa posição, por exemplo, é necessário que o praticante desenvolva a musculatura do pescoço e braços para poder sustentar o corpo nesse ásana. Quando o neófito treina essa técnica e ainda não possui força suficiente, por mais que tente, ele sequer conseguirá erguer os pés do chão, portanto, estará em segurança. Mesmo sendo um praticante afoito que, por exemplo, resolva dar impulso, ele ainda assim estará mais seguro do que se estivesse fazendo na parede, pois a natureza é sábia. Se você não possui infra-estrutura necessária para executar a posição, você cai ao chão em segurança, porque para a natureza é melhor que você leve um tombo do que venha a machucar o pescoço ao permanecer apoiado sobre um conjunto sem condição muscular para tanto.

Observando um praticante antigo executando, veremos que para se manter de cabeça para baixo, ele retesa a musculatura dos braços, ombros e pescoço, mantendo assim, a integridade dessa delicada estrutura. Isso não ocorre com alguém que faz a mesma posição sendo sustentado artificialmente, seja por uma parede ou mesmo pelo professor. Se usar a parede é ruim, com uma pessoa ajudando é um desastre. Invariavelmente quando não caem os dois alguém acaba se machucando. Já vi inúmeras vezes pessoas fazendo com apoio, assim que os seus pés tocam a parede e se sentem seguros, soltam à única coisa que não poderiam jamais relaxar; a musculatura do pescoço...
A regra é clara: se você vai cair, não retarde a queda!

Por sorte ou algum tipo de intervenção divina, a maioria só fica com uma leve dor na região ou, no caso mais grave, um torcicolo. E sequer se dão conta do risco que esse procedimento representa ou mesmo que podem ficar com seqüelas irreversíveis, entre elas o rompimento de nervos cervicais que podem levá-lo a tetraplegia no caso de um desequilíbrio ou queda lateral.

Algumas posições não têm, nem podem ter atalhos. Fazem parte de todo um processo de estrutura, desenvolvimento de força, alongamento, equilíbrio e coordenação motora.

 

Determinados exercícios podem levar anos até que se conquiste a excelência técnica necessária para a sua execução, além de severas adaptações biológicas que vão desde o fortalecimento de partes ósseas com o deslocamento desse material para fortalecer pontos de apoio e tensão, até aclimatações circulatórias onde as paredes de vasos e capilares são reestruturados para agüentar o aumento de pressão.

 

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