ORIGEM DO YOGA

11/04/2010 00:52

 

 

Não existem referências claras na arqueologia sobre a criação do yoga. Todos os registros são dúbios, gerando margem à diversas e fantasiosas interpretações. Algumas pessoas seguem a tortuosa linha da invasão ariana no subcontinente indiano; teoria essa que virou um verdadeiro mito acadêmico criado para inglês ver no final do século XIX. Um fiasco desmentido pelo próprio Max Muller, o elaborador da “teoria”, quando posto contra a parede. Muller, estudioso alemão, fundador da mitologia comparada e um dos primeiros especialistas em literatura sânscrita (e, por esse motivo, teve pouquíssima resistência às suas idéias), fora contratado a serviço da coroa britânica para desmerecer a cultura hindu, interpretando-a à sua maneira e reapresentando-a ao próprio indiano. A cultura hindu passa a ser mostrada nas escolas como fantasiosa e sem o menor suporte ou conteúdo filosófico, pertencente a uma civilização inferior. Esse foi um plano elaborado cuidadosamente através de uma gradual ocidentalização da população indiana e que perdura até hoje. Não mais perpetrada pelos britânicos, mas agora (pasmem!), pelo próprio governo. Esse é um fato que pude confirmar em uma viagem à Índia, onde estive conversando com um rico empresário do ramo de diamantes que me confidenciou o acordo que ele tinha com o governo. “Nós, os empresários, mantemos o povo pobre, o governo mantém o povo burro.” Não sei por que, percebi certa similaridade com o Brasil.

 

Isso produziu toda uma literatura torta. Os textos traduzidos direto do sânscrito para o inglês, estavam recheados de deturpações propositais, com o intuito de sabotar a cultura desse povo. Boa parte das traduções realizadas naquela época, e que infelizmente estão à disposição hoje em dia, não são confiáveis e estão cheias de erros conceituais, pois os ocidentais que as fizeram não perceberam a profundidade do conhecimento que estavam revelando, uma vez que se tivessem percebido essa preciosidade, jamais teriam feito essa cicatriz enorme na face de um dos maiores conteúdos histórico-filosóficos da humanidade.

 

Muitos diriam: “Ora, se não existem dados arqueológicos confiáveis, como podemos ter certeza sobre algo acerca dessa tradição?” Simples: a tradição oral, e posteriormente escrita, pode nos fornecer pistas muito exatas, apesar da datação dos eventos literários não ser uma das preocupações desses fabulosos cronistas.

 

 

Quais origens são possíveis de se mapear?

 

Na realidade, não existe apenas uma origem. Existem mais de uma dezena de suposições. Quatro dessas hipóteses são as mais famosas nesse momento, plausíveis para a genealogia do yoga. Uma delas, como acabamos de ler mais acima, recentemente saiu da nossa lista, que era o mito da invasão ariana, utilizada covardemente como método para controle de colonização.

 

Sobraram quatro teorias afirmadas e amparadas ferozmente por seus defensores. São estas:

 

1ª teoria:

É levantada pelo Dr. Georg Feuerstein, indologista germano-canadense e autoridade em yoga. Essa hipótese é denominada por ele mesmo como Dravidiana, que seria o povo que existia antes da chegada dos indo-europeus. De acordo com Feuerstein, os indo-europeus teriam chegado à Índia e assimilado a cultura dos drávidas.

 

2ª teoria:

Situa a criação do yoga por volta da época do nascimento do budismo. Centraliza-se em Pátañjali, que seria um brâmane da linhagem do Yajur Veda negro da região entre a Caxemira e o Afeganistão, essa teoria tem caído em desuso por causa do extremo reducionismo com que as provas são oferecidas, sem levar em consideração os outros movimentos culturais que ocorriam paralelamente naquela mesma época e que demonstram claramente que o Yoga iria inevitavelmente acontecer, seja pelas mãos de Pátañjali ou não. Isso pode ser atestado nos fragmentos filosóficos que têm forte presença no que é conhecido hoje como Yoga épico.

 

3ª teoria:

Atribui as origens do yoga nos ritos xamânicos da Ásia central. Essa hipótese é fortemente defendida por Mircea Eliade, um historiador e romancista romeno naturalizado norte-americano. Como substrato cultural dos hindus europeus, o conceito xamânico se trata de uma transição entre o mundo da vigília e o mundo dos sonhos, onde se encaixam os rudimentos do conceito de Yoga e é descrito nas upanishadas como Turya (o quarto estado) e que Pátañjali associa à respiração.

 

4ª teoria:

Trata-se da teoria da origem védica. A hipótese Dravidiana é contraposta principal e magistralmente por David Frowley, onde defende que o yoga tem origem vedica. O substrato dessa cultura teria sido trazido pelos próprios indo-europeus, atrelando à redação do hinário vedico pelos Brâmanes.

 

 

Trabalho de detetive

 

Como um bom detetive faria, é necessário que antes de procurar a gênese do Yoga, busquemos saber o que ele é. Para isso, é necessário conceituá-lo antes de posicioná-lo no tempo, para que então possamos ir rastreando e recuando na história, onde estão as peças que se encaixam com perfeição no nosso quebra-cabeça.

 

Basta que alguém fale a palavra Yoga para evocar na nossa imaginação todo um feixe de técnicas como ásanas (posições físicas), pránáyámas (respiratórios) e chakras que se encontram atrelados a uma literatura consideravelmente moderna. No entanto, devemos lembrar que ele é um termo pertencente à linguagem sânscrita que aparece na cultura que se utiliza dessa língua com muita freqüência e denota utilização, adequação, amoldamento, acomodação. Ou seja, era antes de tudo uma palavra, e a palavra antecedeu o método. Se abrirmos o dicionário, encontraremos outros significados para esse termo e que são pouco usuais, como jugo, junção, as correias de um uniforme militar, magia, embuste, ganho, lucro, estratagema, etc.

 

Não estava, em suas origens, vinculado a nenhuma escola. Era meramente uma palavra que tinha o significado de uso, meio ou aplicação.

 

Mas uso e adequação do que? Quando pensamos em adequação lembramos que algo se adequa a alguém ou a alguma outra coisa. Essa resposta pode nortear o sentido do que realmente seria o Yoga. Nossa resposta amadurece dentro de um corpo doutrinário muito amplo e encontra-se amarrado à escola filosófica teórico-especulativa conhecida como samkhyá (enumeração).

 

O samkhyá está indissociavelmente permeado ao Yoga desde suas origens e fala de uma dualidade fundamental no universo. Essa dualidade aparece no yoga bem como as contestações que surgiram posteriormente ao método. Basicamente, se expressa entre o Eu e o outro (sujeito e objeto), e de que existe uma natureza essencial que habita o íntimo de cada um de nós e que seríamos todos uma multiplicidade de Eu. Cada um de nós é um Eu individual e distinto dos demais. Contudo, há uma profunda identificação com todos os outros.

 

Essa distinção entre o indivíduo e o outro é a essência da discussão e são as bases do hinduismo. O hinduismo prega a máxima de que somos todos Um. Todavia, a parcela da população que se dedica ao Yoga elabora um pouco mais essa questão e afirma que o Eu é mais intricado e vem ao mundo para se completar, para obter a práxis da realização. Em outras palavras, ele nasce para ser posto em prática. E nenhum de nós nasceu para ser igual, mas sim, para que possamos realizar nossa real identidade, embora, em essência, todos sejam o mesmo.

Nascemos com certas características ou potenciais que foram feitos para serem realizados. E precisamos tornar esse Eu real, torná-lo presente no mundo que é a consideração principal do Yoga: “realizar as nossas diferenças”. Isso é algo que nos distingue de todos os demais, tornando-nos originais, únicos.

 

A realização desse estado de percepção do que já somos nos permite mergulhar na totalidade e efetivamente experimentar a criação para descobrir a identidade essencial que habita cada um de nós. O resultado disso é o kaivalyam (isolamento), que é o objetivo do Yoga na tradição hindu. Esse é um isolamento paradoxal, pois quando expandimos nossa consciência, passamos a experiênciar toda a criação. Quando isso ocorre, não há mais nada a perceber e, portanto estamos isolados por integração, não restando mais nada a ser percebido.

 

Então, seguindo as pistas até agora oferecidas, podemos localizar embrionariamente as raízes primeiras do Yoga mais antigo. De posse dessa informação sobre o que o Yoga é, guarde na sua memória o conceito e acompanhe com atenção o desenrolar da nossa aventura.

 

 

Onde podemos achar o Yoga na história?

 

Dentro do subcontinente indiano, o Yoga floresceu no noroeste da Índia, onde existiam povos estabelecidos há pelo menos 45 mil anos, exatamente onde fica a porta de entrada para a região lugar usado por praticamente todas as incursões que eram feitas na era pré-navegação nesse território. Esse povo veio dar origem à civilização do Vale do Indo, cerca de cinco mil anos antes da era comum (a.e.c.). Viviam na região nos contrafortes do Kitab, nos montes Suleiman, e nas bacias dos rios Indus, Ravi, Chenab, Sutlej e Saraswatí. Não se tratavam de culturas isoladas e sem relação entre si, mas sim, expressões de uma mesma civilização integrada num processo único e contínuo.

 

Uma das cidades que podemos citar nessa região é Mehrgarh, que apresenta agricultura e domesticação de animais, que são as duas características mais claras do neolítico mais antigo no continente. Acolhendo uma sucessão de culturas posteriores, chegou a ser, sem dúvida, a maior e mais importante cidade da antiguidade. Em 6000 a.C., abrigou pelo menos 25000 indivíduos, quase a população inteira do Egito daquela época.

 

O Yoga tem sua gestação no ventre de um povo conhecido como indo-europeu, que entrou a noroeste e se alojou no nordeste da Índia por um tempo. Aos poucos migrou para o ponto mais ocidental, posicionando-se ao longo do rio Sarasvati, para que pudessem criar essencialmente o gado que se servia do excelente pasto e dos restos da colheita oferecidos pelo povo do vale do indo que, por sua vez, adubavam os campos dos drávidas que eram essencialmente agrícolas. Esse povo havia carregado consigo a língua sânscrita, que é a pedra fundamental do Yoga. Existe um consenso de que se esse povo não foi o criador do Yoga, eles ao menos forneceram a língua que daria corpo à codificação daquilo que veio mais tarde a se denominar Yoga.

 

Eles compuseram uma série de hinos divididos por famílias desse povo indo-europeu e que são conhecidos como Vedas. Famílias de criadores de gado identificados como Brahmánas, que depois será o nome dado à casta sacerdotal e que narram um pouco das suas origens e também falam sobre a explicação do universo fenomênico e das suas crenças acerca da cosmo-gênese.

 

Toda essa experiência acumulada serve de matéria prima daquilo que vai ser conhecido pelo nome de Yoga. Conquanto naquela época não existam indícios sobre a doutrina propriamente dita, podemos perceber no Rig Veda, rudimentos subjetivos acerca da meditação e fórmulas criadas pelos kavis (poetas videntes) para o caminho da perfeição através concentração da mente num foco único.

 

Mas o que nos chama a atenção é um ritual baseado na beberagem do soma. O Soma é um dos enigmas da história do pensamento indiano, fundamentado na obtenção de um potencial denominado Virya (entusiasmo, virilidade). Todavia, segundo os textos que fazem referência a ele, é o sumo leitoso de uma planta trepadeira que se acredita ser a asclepias acida ou sarcostema viminalis, cujo efeito intoxicante alguns afirmam ser parente distante e menos ativo da ayuasca (embora esse tema seja controverso). Do caule dessa planta era extraída uma seiva que depois era misturada com mel e alguns cereais e, posteriormente, coada. Os brâmanes se serviam do soma para produzir visões. Daí surgiu a teoria de que o Yoga teria uma origem xamânica. Alguns autores negam a característica intoxicante da planta, relativizando que o soma era a extração da força solar armazenada na terra e posteriormente capturada pela planta para agir sobre o coração hrid, abrindo a consciência para produzir uma comunhão com a inteligência universal. Ao que tudo indica, a planta induzia uma diminuição da censura evocando conteúdos subconscientes que eram trabalhados durante o ritual. Apesar de ser citado no Rig Veda (4500 a 5000 a.e.c.), o Soma é minuciosamente explicado no Yajur Veda, composto por volta de dois mil anos antes da era comum (a.e.c.), coincidindo exatamente com a época que o rio Sarasvati começou a secar por causa de alterações geológicas.

 

Estudos recentes feitos por imagens de satélite revelam três catástrofes meteorológicas e geológicas que abateram decisivamente esta civilização. Inundações contínuas na bacia do rio Indus seguidas por uma seca de 300 anos que esgotou o Saraswatí, rio que teve papel vital no desenvolvimento da civilização vedica por volta do ano 1900 a.e.c. Antigamente este rio recebia as águas do Ganges, do Yamuná e do Sutlej, cujos cursos eram muito diferentes dos atuais.

Aparecem no Rig Veda nada menos que sessenta referências a este rio, enquanto o Ganges é mencionado apenas uma única e tímida vez.

 

Gradativamente o povo migrou e fez seu assentamento no vale do Ganges, onde continuam até hoje. Simultaneamente, nascem as primeiras Upanishadas, Brahmánas e Áranyakas. São textos sagrados onde se concentram as bases para a construção do Yoga primitivo, que, unido aos conceitos já expostos nos Vedas, constituirão a corporação literária revelada dos hindus, o Shruti (aquilo que se ouve), ao longo da história sempre que uma civilização sente ameaça à sua herança cultural, apressa-se para registrá-la. Isso produziu toda uma literatura nova.

 

O grupo que se deslocou mais a oeste em direção ao sol poente produziu o Yajur Veda negro e o grupo que migrou para o leste em direção ao sol nascente fez o Yajur Veda branco.

Essa é a única parte dos Vedas que está subdividida em duas; divisão provocada por eventos geológicos.

 

O curioso para nossa linha de raciocínio é que no Yajur Veda Branco surgiu um personagem que é o próprio compilador da obra. Ele é chamado Yajñavalkya que o citam,  também, como sendo o autor do Brihadaranyaka Upanishada, um apêndice literário que ajuda a explicar o Yajur Veda branco.

O Brihadaranyaka postula que o ser humano tem dois estados básicos: um de vigília e o outro de sonho. Além disso, que tem um terceiro estado que não é nem o sonho nem a vigília, mas intermediário aos dois, Turya (o quarto estado). Isso curiosamente não é partilhado no grupo que compôs os hinos do Yajur Veda negro, e é justamente dentro do Yajur Veda negro que as práticas do Yoga começaram a aflorar.

 

Em um determinado momento relativamente obscuro, os idealizadores do Yajur Veda negro sentem necessidade de incorporar os conceitos acerca do sono do Yajur Veda branco e criam uma série de textos que são conhecidos como Dasa Yoga Upanishadas e cuja expressão máxima é o Shvetashvatara Upanishada. O Shvetashvatara conceitua em doze versos a estrutura básica do Yoga que será usada posteriormente em algum momento da história entre a entrada de Alexandre, o Grande na Índia e a metade do império Gupta, por Pátañjali em seus postulados.

 

Quando Pátañjali entra em cena ele está encerrando um ciclo de debates que duraram centenas, senão milhares de anos de elaboração e discussões filosóficas e que foram devidamente encerradas no Yoga Sútra. Isso fica bem claro no início do texto do primeiro capítulo onde pátañjali incontestavelmente fecha os Sútras. A discussão é o colorário de um processo de amadurecimento que se iniciou certamente antes dele ter nascido.

A lacônica afirmação do primeiro verso do Yoga Sútra, atha yoganushasanam (aqui estão os postulados máximos do Yoga), deixa bem claro que o documento não está aberto a discussão.

 

Apenas um item não preenche a lacuna da linearidade histórica e suscita novas perguntas. É o fato de Vyasa ter elaborado um comentário sobre o Yoga Sútra. É sabido que Vyasa é contemporâneo de Krishna e este viveu no ano de 3102 a.c. Como poderia Vyasa ter escrito um comentário sobre uma obra que só seria redigida quase 3000 anos depois?

 

Dentro do Yajur Veda, o Soma (a bebida da imortalidade), é freqüentemente referida como Rája (o rei). Isso nos leva a concluir o seguinte: uma vez que toda essa compilação começou no Yajur Veda, de onde Pátañjali retirou as bases para a formulação dos sútras, e a sua obra é insistentemente chamada de Rájá Yoga, que traduzido significa “utilização do soma”, podemos perceber que as bases para o Ashtánga Yoga (ou yoga óctuplo) proposto por ele, era a sistematização da experiência mística realizada no ritual do Soma.

 

Apesar de parecer que Pátañjali seria favorável ao uso da beberagem citando que o Yoga era possível através dessa via, tudo indica que ele se baseia num sistema autônomo onde o esforço do praticante era o foco. Mas não nega suas raízes nos textos revelatórios que inspiraram seu sistema, numa claríssima demonstração de que o Yoga tem suas raízes nos vedas. Isso prova a origem literária dessa doutrina.

 

 

Como um rito de beberagem foi transformado numa pratica de meditação?

 

A moeda da época era o rebanho e a necessidade de fortalecer e engordar os animais era urgente. Essa necessidade provocou uma cisão na população. Com a parcela do povo que não migrou junto com os pecuaristas dedicando-se se organizar em guildas, corporações de ofício, corporação artesanal. Eram associações de artesãos de um mesmo ramo, isto é, pessoas que desenvolviam a mesma atividade profissional que procuravam garantir os interesses em famílias de artífices que transmitiam de geração em geração os segredos que produzem a força (shakti) dos clãs. Os clãs seguiam uma linha de pensamento distinta das linhas de pensamento dos brâmanes. Estas linhas eram totalmente voltadas aos membros de uma família que transmitiam tudo em sigilo (que ia desde a confecção de uma sandália, até a elaboração de um tapete) e se dedicavam à preservação de técnicas individuais. O mais importante nesse grupo é o individuo, pois era voltado à vocação e à transmissão do conhecimento dento de seu próprio grupo. Isso dá a força econômica à confraria. Isso marca uma distinção clara entre os dois grupos. De um lado, os brâmanes que tem um olhar voltado para o coletivo, e do outro os artesãos voltados para o indivíduo.

 

O que impulsionou o desenvolvimento do Yoga na região foi uma desestabilização econômica do povo que vivia na porção ocidental e que retirava seu sustento da agricultura e do gado. O Yoga só chegou aos dias atuais graças ao enfraquecimento desse grupo que tinha hábitos mais coletivos. Na porção oriental onde se estabeleciam os artífices que viviam dos segredos, das escolas de mistérios, onde mantinham o poder graças ao desenvolvimento de técnicas únicas na confecção de bens que eram produzidos com exclusividade por determinadas famílias (kulas), reforçando sua unidade. Essa tradição é o comportamento que mais se encaixa no perfil do Yoga.

 

Esse desequilíbrio econômico provocou um questionamento na forma com que esses povos agrícolas se relacionavam com os ritos sazonais, baseados nos movimentos lunares e nas mudanças climáticas, criando calendários fixos de atividades que se repetem ano após ano e que produzem um perfil estruturado num comportamento estável e sedentário. Já os artesãos eram nômades independentes voltados para a prática dos segredos, pois eram os segredos que produziam força para o grupo e não os ritos coletivos.

 

Foram esses artífices que provocaram o debate em torno da utilização do soma, que era questionada por eles com repulsão ao seu caráter de ritual social e discutida com relação à iniciação à prática dos mistérios. E foi justamente o paralelo traçado entre o soma e a iniciação dos artistas que deu início ao questionamento teórico e à posterior formulação da doutrina do Yoga.

 

 

A oposição à tese do Yoga Sútra

 

Acredita-se que a elaboração dos três primeiros “capítulos” (páda) do Yoga Sútra teve sua formulação aproximadamente no século V a.e.c., antes mesmo do nascimento do budismo. Já o quarto páda, por causa de seu estilo literário, entende-se que foi redigido tardiamente como um remendo no século IV d.e.c. com forte influência budista. Os historiadores acabaram convencionando o século III ou IV a.e.c. para a preparação dos Yoga Sútras.

 

A popularidade do Yoga criou uma forte reação dos brâmanes de tradição védica. que tinham como fonte do seu poder o conhecimento (jñana), conhecimento esse que não era partilhado com a população. Por intermédio deles é que os rituais poderiam ser realizados para produzir a libertação. Nesse momento, aparece o Yoga que atribui ao homem comum a responsabilidade de se libertar sem intermediários. Assim sendo, mesmo o Yoga consistindo numa elaboração calcada nos vedas e o brahmanismo, também eles acabam tendo atrito e os brâmanes montam uma estratégia para tirar a credibilidade do Yoga. Só que os brahmanes não esperavam que o Yoga tivesse o massivo apoio popular dos kshatriyas (a casta guerreira) e os vaishyas (casta dos comerciantes e artífices). Essas duas castas (varna) são relacionadas ao kula, que são de tradição familiar e que foram se estruturando em torno de uma designação conhecida pelo nome tantra. São justamente eles que mais tarde se mobilizam para defender o Yoga dos ataques dos brâmanes.

 

Em essência, o questionamento levantado contra o Yoga da forma como foi codificado se estabelece na prática e defende a kriyá, a atividade ou ação como caminho para o moksha (a libertação). Já os bramanes dizem que o caminho para o moksha é o jñána (conhecimento). Esse questionamento origina uma tradição que se relaciona diretamente com as upanishadas que dão muito valor ao conhecimento (jñána), Todavia, sem esquecer ou mesmo negar a prática. Ou seja, as upanishadas não desautorizam essa práxis do Yoga. Mas como esses textos estão recheados de afirmações em favor do conhecimento e enaltecem essa relação como algo imprescindível para alcançar o Brahma, acabam fortalecendo a argumentação em favor dos brâmanes.

 

 

O nascimento do Vedánta

 

As upanishadas são a última parte da literatura dos Vedas e, portanto, recebe o nome de Vedánta (final dos vedas). Essa dinâmica provocada pela negação do Yoga pelos brâmanes acaba por produzir a formulação de um sistema que recebe o mesmo nome (Vedánta). Sua formulação está calcada numa coletânea de textos muito antigos que são as upanishadas, mas também se apóia em documentos recentes, como o Brahma Sútra, que apresenta o questionamento brahmanico contra o a filosofia do Yoga e do samkhya. E, por fim, o Vedánta se apóia num pequeno trecho do Maha Bharata de apenas 700 versos duplos, conhecido como Bhagavad Gítá. O Bhagavad Gítá trata da relação entre o Yoga e o sámkyha e a suposta relação entre três tipos distintos de Yoga: jñána, bhakti e rája.

 

A palavra yoga na época da Bhagavad Gítá ainda não é a doutrina estabelecida, mas sim, uma palavra de caráter corrente que significa uso. Portanto, quando eles se referiam ao bhakti yoga, não era um tipo de yoga devocional, mas simplesmente tratava sobre o uso (yoga) de devoção (bhakti). A partir da mixagem de frases encontradas nas upanishadas, no Brahma Sútra e na Bhagavad Gítá, eles teceram uma nova doutrina que se baseia no conhecimento de que a única existência real é Brahma. E dentro de nós existe um individuo conhecido como átma (alma) que também é Brahma e que o conhecimento de que Brahma habita nosso íntimo já produziria por si só a libertação individual. Em resumo, Vedánta é a busca do saber, isso é, o que salva. Tudo que não é Brahma é mayá (ilusão) e se baseia na inconsistência do universo, onde nada realmente existe senão o Brahma.

 

 

O rebate aos Vedántinos e o Samkya

 

A argumentação vedantina é bastante forte, porém, tem contra si um pequeno detalhe: a falta de apelo popular! A população nunca teve acesso ao saber, então, que povo em sã consciência daria suporte a essa maneira de pensar? Temos que lembrar que falamos de um povo onde quem tem o saber é apenas uma faixa minúscula da população. A Tese bramânica é elitista e por isso não teve suporte da burguesia. O segundo ponto é que ele afirma que não tem nenhuma dualidade. Esse argumento é usado para atacar frontalmente o samkhya, que antes da reforma dos Náthas apresenta seus conceitos de uma forma simples, afirmando a unidade na dualidade, alegando a existência de Purusha e prakrti (matéria) presentes permanentemente em duas condições: sat (existente) e asat (não existente) ou manifestado e latente, e essa dualidade jamais se dissolve por que ela não existe. Só que esse detalhe importantíssimo foi convenientemente anulado dos debates, pois ao debater sobre a intangibilidade da dualidade, o samkhya passa a se expressar como monista. Eles afirmam que o samkya é dualista e, portanto, não pode expressar a realidade do uno que é o Brahma.

 

O Vedánta é exibido como um sistema monista, radicalmente sem opção. Ou você aceita a unidade com o todo (Brahma), como única realidade existente ou está fadado a ficar encoberto pelos véus de maya (a ilusão). Essa proposição do Vedánta de que só existe uma realidade tem uma falha lógica muito clara. Se eu digo que só existe Brahma, o que seria então maya? Eu caí na dualidade, o monismo vedantino não consegue escapar a lógica dualista do mundo manifestado. Esse “monismo” do vedanta teve uma existência muito curta, já que foi questionado pelos kulas tântricos.

 

 

Só existe um Yoga!

 

Yoga é uma coisa só! Até meados do séc. XIX da nossa era, quando passou a designar várias tendências ou escolas (que fique evidente, antes de Pátañjali), não houve nenhum outro tipo de Yoga. Depois dele, só existiu uma pálida tentativa de questionar o Yoga pelo Vedánta que, embora tenha sido frustrada, ainda assim produziu um engano denominado jñána Yoga (Vedánta). Esse engano foi derrubado pelos contestadores Nátha Siddhás, que criticaram o monismo vedantino entre o séc. VIII ao séc. XIII. Participaram desse levante tanto o noroeste (cachemira) quanto o nordeste (Nepal, Assam e Bengala).

 

Trika ou Shivaísmo da Cachemira são os Náthas do noroeste da Índia. O objetivo desse sistema é restaurar o Sámkhyá fazendo uma releitura aprimorada do sistema, deixando explícita a característica advaita (não dualista) do Sámkhyá, ampliando os 24 tattvas existentes para 35. E com isso eles conseguiram produzir a maior evolução do pensamento filosófico na Índia, considerada a mais completa e precisa até hoje.

 

O Siddha Sidhanta do nordeste da Índia, encabeçado por Gorakshanátha, faz o seu questionamento ao Vedánta com o aperfeiçoamento do Yoga de Pátañjali elaborando uma versão tantrika dele chamado Hatha Yoga. O Hatha Yoga se apresenta de uma forma muito mais prática, com ásanas e pránáyámas. Ou seja, o Rája Yoga de Pátañjali e o Hatha Yoga não são estilos de Yoga distintos. São dois momentos ou duas leituras do mesmo tipo de Yoga.

 

O que causou o fenômeno do aparecimento de outras linhas de Yoga foi uma ocorrência histórica. Esse episódio que foi a invasão islâmica, trouxe toda sua intolerância justamente no momento mais rico do desenvolvimento filosófico hindu. Essa dominação durou do ano 1000 até aproximadamente o ano 1500 d.e.c..

 

Com a libertação da Índia em 1947, que foi encabeçada por Mohandas Karamchand Gandhi (o Mahatma), a população reacendeu o fervor nacionalista, recuperando em parte, suas tradições após centenas de anos sob o domínio muçulmano e britânico.

 

Esse resgate nacionalista produziu uma corrida atrás do poder franqueado pelo elitismo bramânico, que por motivos comerciais e políticos produziu um sem numero de entidades, estilos e métodos de Yoga. Fazendo parecer que o Yoga seria uma diversidade de tendências diferentes alegando que são 108 estilos.

 

O que ocorre, e que percebemos claramente cada vez mais na atualidade, são os oportunistas de plantão tanto aqui no Brasil como na própria Índia. São aquelas pessoas que inventam seus métodos e patenteiam a fim de criar uma forte reserva de mercado, um verdadeiro “Fast food” espiritual. Yoga é para todos!

 

André De Rose

 

 

 

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